Quando se fala em "social" as ideias que vêm à mente podem ser as mais diversas. Mas todas remetem a algum nível de interação com o Outro. O problema é que, na maioria dos casos, o Outro é desprivilegiado em favor do enaltecimento do Eu. "Eu tenho que me dar bem!", "Eu tenho que estar feliz!", "Eu quero ser o primeiro!", "Eu quero ser melhor que os outros!", "Eu quero ser reconhecido!"... Resumindo: "Eu quero que o outro se exploda!"
Nossos vínculos, nossa solidariedade, nossa capacidade de se colocar no lugar do outro estão cada vez mais enfraquecidos. A guerra entre ser e ter, ou ser e parecer ser, numa escalada desde a Sociedade do Espetáculo (1967), de Gui Debord, passando pela Sociedade de Consumo (1970), de Jean Baudrillar, até a Modernidade Líquida (2000), de Zygmunt Bauman, está cada vez mais inflamada e nós, cada vez mais insensíveis aos nossos semelhantes e demais seres.
Entender esse fenômeno da modernidade, da pós-modernidade, ou da modernidade líquida é de fundamental importância para que possamos descer do altar do ego para a rua da convivência. Dizia o Mestre Dogen, no Japão do século XIII, sobre autoconhecimento e despego do ego, como forma de dissipação das ilusões criadas pelo egoísmo. Tais ilusões, em nossos dias, para além da esfera da espiritualidade - não quero dizer que a espiritualidade deva ser vista com distinção em relação a qualquer outra área de nossa vida, sobretudo porque acredito que ela nos ajuda a ter posturas mais éticas, mais compassivas e mais misericordiosas (sem romantismos exagerados!) - seriam os desejos criados em nós por alguém que, por conveniência do poder ou do dinheiro, na verdade, não tem interesse em que tais desejos sejam satisfeitos, ou tem interesse em que sejam satisfeitos apenas momentaneamente, voltando logo a seguir mais fortes e mais requintados.
É assim: hoje eu quero um super smartphone capaz até de coisas absurdamente desnecessárias, como, aliás, é a maioria deles. Compro o tal aparelho e, passados aqueles dias de interação cognitiva, logo deixa de ser novidade. Volta a sensação de vazio e preciso de alguma outra coisa para me preencher. E isso se repete com outro smartphone, carro, casa, cirurgia plástica, esposa/esposo. E tudo isso acontece porque, enquanto buscamos um embelezamento externo, com o objetivo de parecermos felizes ou bem sucedidos, esquecemos de nos embelezar por dentro (dimensão mental/espiritual), o que, de fato, nos levaria à felicidade, ao sucesso, à prosperidade... conheço gente que coleciona doenças (hein?), que precisa de uma nova enfermidade de tempos em tempos pra ter do que se gabar, pra ter do que falar, pra conseguir conversar, ainda que seja com estranhos. E isso é mais comum do que se pensa.
Ao longo dos tempos, as relações se enfraqueceram e os seres humanos-coisas foram aparecendo e continuam aparecendo. Nós os criamos. Certa vez, ouvi o relato de uma pessoa que esteve em Brasília, num evento político. A certa altura, todos foram conduzidos para um ambiente onde seria realizada uma pequena festa, um coquetel, como se diz por aí. Num determinado momento, um garçom servia bebidas e, ao passar pela pessoa que me contou a história, foi surpreendido com um "obrigado". O garçom quase derrubou a bandeja, copos e taças, simplesmente pelo fato de ter recebido uma agradecimento. Estava acostumado a ser invisível. Imagino que a maioria das pessoas naquele recinto pensavam que não precisavam do garçom. Só precisam da bandeja. Se houvesse uma forma de a bandeja passar flutuando pelos convidados...
Temos tornado as pessoas invisíveis. Ou visíveis demais quando se trata de destacar-lhes as diferenças que nossos olhos não suportam. "Eu não aceito!". "Eu estou certo. Então, cale-se!". "EU"... Quando acho que algo ou tudo em mim é melhor que o do outro; que o meu time, a minha escola,o meu bairro, a minha religião, a minha profissão é melhor, começo a criar situações de intolerância, conflitos e violências das mais diversas formas. É como se houvesse uma justificativa para tratar alguém com arrogância porque se está pagando pelo serviço; é dizer que está sujando a rua para garantir o emprego do gari; é reforçar a fragilização da equação EU+OUTRO=INTERDEPENDÊNCIA.
Até mais.
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