quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A Dimensão Social da Sustentabilidade Humana

Quando se fala em "social" as ideias que vêm à mente podem ser as mais diversas. Mas todas remetem a algum nível de interação com o Outro. O problema é que, na maioria dos casos, o Outro é desprivilegiado em favor do enaltecimento do Eu. "Eu tenho que me dar bem!", "Eu tenho que estar feliz!", "Eu quero ser o primeiro!", "Eu quero ser melhor que os outros!", "Eu quero ser reconhecido!"... Resumindo: "Eu quero que o outro se exploda!"

Nossos vínculos, nossa solidariedade, nossa capacidade de se colocar no lugar do outro estão cada vez mais enfraquecidos. A guerra entre ser e ter, ou ser e parecer ser, numa escalada desde a Sociedade do Espetáculo (1967), de Gui Debord, passando pela Sociedade de Consumo (1970), de Jean Baudrillar, até a Modernidade Líquida (2000), de Zygmunt Bauman, está cada vez mais inflamada e nós, cada vez mais insensíveis aos nossos semelhantes e demais seres.


Entender esse fenômeno da modernidade, da pós-modernidade, ou da modernidade líquida é de fundamental importância para que possamos descer do altar do ego para a rua da convivência. Dizia o Mestre Dogen, no Japão do século XIII, sobre autoconhecimento e despego do ego, como forma de dissipação das ilusões criadas pelo egoísmo. Tais ilusões, em nossos dias, para além da esfera da espiritualidade - não quero dizer que a espiritualidade deva ser vista com distinção em relação a qualquer outra área de nossa vida, sobretudo porque acredito que ela nos ajuda a ter posturas mais éticas, mais compassivas e mais misericordiosas (sem romantismos exagerados!) - seriam os desejos criados em nós por alguém que, por conveniência do poder ou do dinheiro, na verdade, não tem interesse em que tais desejos sejam satisfeitos, ou tem interesse em que sejam satisfeitos apenas momentaneamente, voltando logo a seguir mais fortes e mais requintados.

É assim: hoje eu quero um super smartphone capaz até de coisas absurdamente desnecessárias, como, aliás, é a maioria deles. Compro o tal aparelho e, passados aqueles dias de interação cognitiva, logo deixa de ser novidade. Volta a sensação de vazio e preciso de alguma outra coisa para me preencher. E isso se repete com outro smartphone, carro, casa, cirurgia plástica, esposa/esposo. E tudo isso acontece porque, enquanto buscamos um embelezamento externo, com o objetivo de parecermos felizes ou bem sucedidos, esquecemos de nos embelezar por dentro (dimensão mental/espiritual), o que, de fato, nos levaria à felicidade, ao sucesso, à prosperidade... conheço gente que coleciona doenças (hein?), que precisa de uma nova enfermidade de tempos em tempos pra ter do que se gabar, pra ter do que falar, pra conseguir conversar, ainda que seja com estranhos. E isso é mais comum do que se pensa.

Ao longo dos tempos, as relações se enfraqueceram e os seres humanos-coisas foram aparecendo e continuam aparecendo. Nós os criamos. Certa vez, ouvi o relato de uma pessoa que esteve em Brasília, num evento político. A certa altura, todos foram conduzidos para um ambiente onde seria realizada uma pequena festa, um coquetel, como se diz por aí. Num determinado momento, um garçom servia bebidas e, ao passar pela pessoa que me contou a história, foi surpreendido com um "obrigado". O garçom quase derrubou a bandeja, copos e taças, simplesmente pelo fato de ter recebido uma agradecimento. Estava acostumado a ser invisível. Imagino que a maioria das pessoas naquele recinto pensavam que não precisavam do garçom. Só precisam da bandeja. Se houvesse uma forma de a bandeja passar flutuando pelos convidados...

Temos tornado as pessoas invisíveis. Ou visíveis demais quando se trata de destacar-lhes as diferenças que nossos olhos não suportam. "Eu não aceito!". "Eu estou certo. Então, cale-se!". "EU"... Quando acho que algo ou tudo em mim é melhor que o do outro; que o meu time, a minha escola,o meu bairro, a minha religião, a minha profissão é melhor, começo a criar situações de intolerância, conflitos e violências das mais diversas formas. É como se houvesse uma justificativa para tratar alguém com arrogância porque se está pagando pelo serviço; é dizer que está sujando a rua para garantir o emprego do gari; é reforçar a fragilização da equação EU+OUTRO=INTERDEPENDÊNCIA.


Até mais.


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domingo, 29 de novembro de 2015

A dimensão Mental/Espiritual da Sustentabilidade Humana (parte II)

Na postagem anterior, mencionei meu treinamento no Zenkoji (Templo da Luz do Zen). Meu primeiro contato com o lugar foi em 2008, quando fui apresentado ao abade do mosteiro, para trabalhar nos diversos programas de Educação em Sustentabilidade, Qualidade de Vida e Desenvolvimento Humano realizados pela instituição há mais de vinte anos.

Num primeiro momento, achei que havia uma certa estupidez na "concretude" do Zen. O fato de não ter minhas perguntas satisfatoriamente respondidas me incomodava. E parecia que, por mais que me dedicasse, nunca era suficiente.

Após algum tempo, comecei a perceber que a falta de respostas filosoficamente estruturadas era estimulante, um motivo para aguçar a percepção em relação a tudo no entorno, um convite a experienciar, sentir na pele, vivenciar e então fazer associações com tudo mais.

Percebi que  repetir algumas coisas simples como colocar os calçados arrumadíssimos com as pontas voltadas para fora toda vez que fosse entrar em algum ambiente, era uma forma de praticar o "estar ali", o "aqui agora". Não era simplesmente largar os calçados, mas mostrar que havia uma intenção, uma prática de atenção.

Após sete anos, é mais fácil perceber que cada estrutura, cada templo, cada objeto ou equipamento do mosteiro serve para uma mesma finalidade: a atenção plena. Todo treinamento realizado no Zenkoji (este ano iniciei uma espécie de coaching zen) tem por objetivo ajudar as pessoas a se tornarem seres humanos melhores. E com o fortalecimento de nossa "musculatura" mental temos a possibilidade de nos tornarmos mais fortes em nossa fé, seja ela qual for, mais firmes na questão da ética, dos valores e responsabilidades, mais focados e prontos para superar os desafios, sem parar nas primeiras barreiras que se apresentarem em nossos caminhos.

Atualmente, muito tem se falado em cuidados com o corpo. Estamos entrando na era da mente. Cada vez mais ouviremos falar da necessidade do fortalecimento dessa entidade de incalculável potencial.

Algumas pessoas já nascem com uma mente forte, concentrada, capaz de solucionar problemas e realizar os mais diversos feitos gastando pouca energia. A maioria de nós, muitas vezes se desgastam muito para realizar algumas atividades ou obtêm resultados medíocres porque estão dispersos, distantes, ausentes de si mesmos. Sem conseguir se perceber, desconectam-se mais e mais do todo, não percebem a beleza da interdependência entre todos os seres e tornam-se joguetes da impermanência, uma vez que acreditam que tudo é exclusivamente da forma equivocada como conseguem enxergar. E percebendo as coisas não como são, mas envolvidas em ilusões, as pessoas sofrem.

A prática da atenção plena, ou mindfulness, como tem se ouvido dizer atualmente, nos possibilita ver as coisas como são. Nos possibilita ver as coisas que sempre estiveram "escondidas" diante de nossos olhos. Nos possibilita redescobrir o óbvio e a magia que existe nele.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A Dimensão Mental/Espiritual da Sustentabilidade Humana (parte I)

Pensar em Sustentabilidade Humana é um exercício de perceber a relação "eu e o outro". Na postagem anterior, o assunto foi a Dimensão Física, tratando sobre o que diz respeito às nossas necessidades básicas, de atenção com o corpo, a saúde, a segurança e coisas do tipo. Por sua vez, a Dimensão mental/espiritual envolve aspectos neurológicos e espirituais como saúde mental, fé, concentração, foco, atenção plena.

Em busca do sucesso e da prosperidade as pessoas se matam, umas às outras, e matam-se, a si mesmas. Entregam-se a períodos de trabalho sempre maiores, deixando de lado pequenos prazeres. 

Caminhar num parque, dar uma volta pela praia, ir à igreja ou simplesmente fazer uma oração em casa, fazem um bem enorme para nossas cabeças cada vez mais ocupadas com questões do mundo pós-moderno. Esse mundo tão veloz, que nos bombardeia com um número cada vez maior de informações, põe nosso cérebro em parafuso e nossa espiritualidade em segundo plano. E com menos tempo para nós mesmos, ficamos menos conscientes do que somos, menos percebedores de nossas fragilidades e de nossas potencialidades.

Para equilibrar nossa imagem com nossa identidade, talvez essa seja a dimensão humana que mais precise ser levada em consideração. Ora, aquilo que você tem certeza de que é o seu cerne é o que vai garantir que tudo o mais se organize, permitindo o alinhamento das demais dimensões humanas. Por isso a importância da fé em algo. E se essa fé encontra amparo em alguma religião ou prática espiritual, recomendo que você se dedique a ela.

Para aqueles que depositam sua fé em alguma coisa e até para aqueles que não têm fé em coisa alguma, a meditação pode oferecer instrumentos para o  despertar de uma mente de prontidão e também para o autoconhecimento. 

Em meus estudos vivenciais na prática zen budista, pude entender que, diferentemente do que se apregoa por aí, o Zen não traduz aquele suposto sentimento de paz inerte e lesada. O Zen não é uma sonseira, uma letargia quase mortal.

Às vezes ouço a expressão "estou zen" e acho até engraçado. Confesso que eu mesmo já usei essa frase para descrever alguma sensação de tranquilidade e calma. Mas Zen pressupõe prontidão, mente desperta. Nisso a meditação zen, ou zazen, ou ainda Não-Ação - termo que passou a ser utilizado há pouco tempo pelo abade do Zenkoji, o primeiro mosteiro da América Latina, que fica no Brasil, em Ibiraçu-ES - pode ajudar.

A não-ação, nada mais é do que sentar e respirar. Também não é necessário fazer nenhuma recitação de mantras ou sutras, nem fazer som algum. Os pensamentos virão. Não faça julgamentos nem continue fazendo desdobramentos de tais pensamentos. Percebeu que está pensando em algo, concentre-se na respiração. Poucos minutos por dia já ajudam a fortalecer nossa "musculatura" mental.

Em breve, falarei mais sobre meu treinamento no Zenkoji e sobre a prática da não-ação.


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segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Dimensão Física da Sustentabilidade Humana

Em postagens anteriores, falei sobre a Sustentabilidade Humana, como uma forma de perceber o ser humano de modo integral. Além de perceber o ser humano, chamo a atenção para a necessidade de proporcionar seu desenvolvimento e uma integração verdadeira com o seu entorno. Afinal, se em tudo discordarmos, em uma coisa falaremos a mesma língua: felicidade. Isso porque todos buscamos a felicidade, mesmo que com outras nomenclaturas.

O caminho mais eficaz para a obtenção dessa almejada felicidade talvez (ou seguramente) resida no abandono das ilusões. E ilusões são todas as compreensões errôneas que temos mundo, das coisas, de nós mesmos e dos outros seres. São os sentimentos desordenados, as posturas não éticas, as relações não compassivas, a valorização da aparência em detrimento da essência das coisas e pessoas, entre tantas outras formas de nos afastarmos do nosso maior propósito de vida, que é a felicidade.

Entramos em sincronia com nossa razão de existir quando nos conectamos com nossa essência e com a essência do universo. Daí a necessidade de pensar  e enxergar o homem como parte integrante e fundamental dessa grande engrenagem manifestada no conceito tão mal trabalhado de natureza. 

Diversas correntes teóricas, ao longo do tempo, criaram conceitos de natureza, meio ambiente e sustentabilidade. Um após o outro, sempre que algum deles não conseguia mais traduzir a realidade. No entanto, todos esses conceitos apresentavam o homem como elemento que, inicialmente, dominava a natureza; num momento posterior, protegia o meio ambiente e mais tarde, se preocuparia em promover seu desenvolvimento de forma sustentável.

Todas essas correntes, no entanto, punham o homem como algo destacado , separado do restante. A Sustentabilidade Humana propõe a percepção da interdependência entre homem e tudo mais. E propõe a ação do homem sobre si mesmo para promover a sustentabilidade de fato. Para tanto, e para tornar didático o pensamento, dividem-se todas as interações do desse homem em quatro dimensões: física, mental/espiritual, social e ambiental.



Dimensão Física

Aqui se manisfesta o conjunto de características de ordem biológica, fisiológica e que envolvem as necessidades básicas, saúde e segurança, por exemplo.


Vale destacar que estamos cada vez mais negligentes com nossa parte física. Com as facilidades promovidas pela tecnologia, estamos cada vez mais parados. Com o desenvolvimentos de novos produtos químicos estamos cada vez mais contaminados por corantes, conservantes, emulsificantes e tantos outros aditivos alimentícios. Com a correria do dia a dia, estamos cada vez mais cansados. 

Outro dia, num programa de televisão, ouvi uma atriz dizer que tinha a sensação de estar sempre acordando, tamanha a necessidade de tempo pra fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Certamente, pessoas com esse ritmo de vida, não têm tempo para se sentar à mesa e ter uma refeição equilibrada, tampouco têm tempo para "perder" numa consulta de rotina, ou num check up anual de suas condições clínicas.

Temos ignorado as recomendações para a prática regular de exercícios e para desenvolver hábitos de alimentação saudáveis, sem falar do abuso do álcool, tabaco e outras drogas.

Talvez o grande problema seja a falta de consciência ou a arrogância em ignorar que nossas dimensões humanas interferem umas nas outras. Os aspectos físicos atuam em conjunto com as questões mentais, ambientais e sociais, produzindo e potencializando circunstâncias uns nos outros.

DIVULGAÇÃO: Vivência no Mosteiro Zen


DROP # 10/10 - INTERDEPENDÊNCIA

DROP #10 - Como podemos viver melhor com nosso semelhante e aproveitarmos o melhor do mundo?

A resposta seria uma das sentenças do DROP anterior: estar uno com toda as coisas. Parece uma coisa absurda, metafísica, impossível. Mas não é. Passa pela compreensão da INTERDEPENDÊNCIA. Ou seja, compreender que tudo está ligado e que uma coisa depende direta ou indiretamente de outra, ou de todas as outras, para existir.

Veja bem. Tudo que existe hoje sempre existiu e, possivelmente, sempre vá existir. De formas diferentes, mas o mesmo conteúdo. Isso porque todos os elementos que existiam na criação do nosso planeta, continuam existindo. Em nível molecular, a única coisa diferente entre nós, as pedras ou as plantas, é a forma como nossas moléculas são organizadas. No mais, tudo é feito das mesmas coisas. Isso quer dizer que tudo que conhecemos veio de um mesmo ponto. A nossa natureza original é a mesma. E tudo tende a seguir para o mesmo ponto. Para a felicidade, para a salvação, para o bem, para a iluminação, para sei lá mais o quê...

Em resumo, somos um com o todo. Ao criarmos motivos para a separação, nos deparamos com as intolerâncias. Cada um quer saber apenas de si, de sua família, de seu time de futebol, de sua religião, de sua classe social. Com isso, perdemos valores fundamentais para a criação de um ambiente em que seja possível desenvolver nossos potenciais. Minamos nossas relações e deixamos de lado a generosidade, a gratidão, a gentileza, o respeito, o altruísmo.

Não estamos falando de fazer votos de pobreza, subserviência, obediência cega, nem de se anular e se apagar como indivíduo.Mas de se perceber como indivíduo que pertence a um conjunto mais amplo, fazendo parte uma grande engrenagem.

Em níveis menores do que o imenso universo, podemos pensar em nossa família, nosso trabalho, nossa comunidade. E podemos levar essa compreensão da interdependência para todas as áreas da nossa vida. É possível cuidar da carreira profissional, da vida financeira e das relações sociais mantendo o respeito por si mesmo e pelo outro, e até ajudando o outro a crescer enquanto você também cresce.

Continue conosco. Vamos continuar falando sobre desenvolvimento humano, sucesso e prosperidade.

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DROP #9/10 - CONHECER A SI MESMO

DROP #9 - Disse o mestre Dogen Zenji (séc. XIII), no Japão:

"Estudar o Zen
É conhecer a si mesmo.
Conhecer a si mesmo
É esquecer de si mesmo.
Esquecer de si mesmo
É estar uno com todas as coisas."


Todas as religiões têm muito a oferecer, sobretudo no que diz respeito à fé. E mesmo aqueles autodeclarados agnósticos ou ateus, certamente nutrem dentro de si algum nível de esperança em alcançarem a felicidade ou a satisfação plena em suas vidas. Essa felicidade ou satisfação também poderia ser aquela famosa sensação de dever cumprido.

Especificamente no Budismo e, mais especificamente ainda, no Zen pode-se observar a manifestação da praticidade: Está sujo? Limpe. É hora de trabalhar? Trabalhe. É hora de se divertir? Divirta-se.

Diferentemente da banalização ocidental de Zen, que sugere uma certa letargia (quem nunca ouviu a expressão "estou zen", para referir-se a um estado de tranquilidade, ou leveza, moleza, sonseira?), essa linhagem budista chama à prontidão. E, estar pronto para fazer o que precisa ser feito, exige de nós uma postura firme e decidida.

Conhecer a si mesmo é, óbvio como parece, autoconhecimento. Isso proporciona a compreensão do que somos e de como agimos e nos permite desapegar das ilusões, como aquelas comentadas no DROP anterior. Nos permite desapegar não apenas das coisas materiais fúteis, mas também das características mesquinhas, vícios e hábitos nocivos que todos temos em alguma medida. Daí o esquecer de si mesmo, que nada mais é do que o desapego do ego. E deixando de ser egoístas nos tornamos unos com todas as coisas. Convivemos melhor com nosso semelhante e aproveitamos melhor do mundo.

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